Na prática, porém, a utilização destes dispositivos de
participação e de consulta pública permanece aquém das
expectativas, devido, por um lado, à má formatação jurídica dos
mesmos e, por outro, porque ainda não existe o hábito de
participação, à exceção de casos pontuais, como, por exemplo, a
intervenção de um munícipe numa reunião de assembleia para
interpelar o executivo sobre uma falta ou uma má resposta dada
a um seu problema.
Além destes mecanismos formais de participação direta, as
comunidades locais têm recorrido, de forma mais espontânea ou
mais arregimentada, a outras formas de cidadania ativa,
nomeadamente, através da sensibilização e mobilização dos
munícipes nas redes sociais a favor ou contra determinadas
medidas do executivo ou das autoridades centrais com incidência
na sua comunidade (tal como a mobilização em relação à
construção de uma incineradora); através de protestos e
manifestações (por exemplo, contra o encerramento de centros
de saúde ou maternidades); de boicotes contra a criação de novas
unidades territoriais, como a união de freguesias; da ocupação de
edifícios; da mobilização nas redes sociais e, em alguns casos,
recorrendo a formas mais violentas de afirmação (como a
vandalização de pontos de recolha de lixo e outros
equipamentos, colocados sem prévia consulta dos moradores).
Não obstante a participação cívica não se esgotar no voto, as
eleições constituem o elemento-chave no funcionamento do
poder local democrático. É através das eleições que se escolhem
os
governantes/representantes
da comunidade e é neles que se
delega poder para tomarem decisões coletivas, mediante
determinadas regras e procedimentos e num quadro institucional
criado para o efeito, respeitando um conjunto de valores e
garantias fundamentais inscritos na Constituição e nas leis do país,
com o fim último de melhorar a condição das populações locais.
Embora os cidadãos valorizem a dimensão eleitoral da
democracia (ver ESS6 2013), as taxas de abstenção não abonam
a favor do desempenho do poder local em Portugal. Desde 1979
que a abstenção nas eleições autárquicas tem vindo a aumentar,
atingindo o seu valor máximo em 2013 (47,4%).
Se compararmos a evolução dos níveis de abstenção eleitoral
entre as eleições autárquicas e as eleições para a Assembleia da
República, a partir de dados da Secretaria-Geral do Ministério da
Administração Interna (SGMAI), disponibilizados no portal
PORDATA, observamos que a abstenção a nível local é maior do
que na esfera nacional (Figuras 1.1 e 1.2). A abstenção em
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Portugal tem sido estudada de forma aprofundada,
sobretudo a nível nacional (Freire e Magalhães, 2002;
Freire, 2000). A nível autárquico não existem estudos
equiparáveis com a mesma profundidade. A diferença
patente na Figura 1 pode ser interpretada à luz do
conceito de “eleições de 2.ª ordem” (Reif e Schmitt,
1987), isto é, eleições com menor mobilização devido
ao facto de os eleitores lhes conferirem uma menor
relevância no governo do país e nas suas vidas. Por essa
razão, as eleições legislativas são tidas como as mais
importantes do país (Freire, 2004).
Quando se compara a participação eleitoral nas
eleições autárquicas de 1976 a 2013, a primeira
tendência que se observa é o aumento gradual da taxa
de abstenção entre as eleições, mesmo entre os
municípios que apresentam menor índice. Outro padrão
observado é o de que os municípios do distrito de
Portalegre (Arronches, Avis, Campo Maior, Crato,
Fronteira, Monforte e Sousel), localizados no Alto
Alentejo, apresentam frequentemente as menores taxas
de abstenção nas eleições autárquicas, assim como nos
concelhos pertencentes às Regiões Autónomas dos
Açores (Corvo e Lajes das Flores) e da Madeira (Porto
Santo e Santa Cruz das Flores).
Dito isto, o histórico de abstenção não abona a favor
dos municípios da Região Autónoma dos Açores. As
elevadas taxas de abstenção eleitoral observadas em
alguns concelhos açoreanos (ex. Calheta, Lagoa, Ponta
Delgada, Ribeira Grande, Vila do Porto e Vila Franca do
Campo) fizeram-se sentir, sobretudo, nos primeiros
ciclos eleitorais após a democratização, embora a capital
da Região Autónoma seja uma repetente nessa matéria.
Este padrão de altas taxas de abstenção também é
observado nos municípios dos distritos de Setúbal
(Almada, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra e
Setúbal) e de Lisboa (Cascais), principalmente a partir das
eleições de 2001. De acordo com dados do INE, tanto
os municípios da Região Autónoma dos Açores, e em
particular em Ponta Delgada, como os da Área
Metropolitana de Lisboa foram fortemente atingidos
pelo fenómeno da emigração, em diferentes vagas, o
que poderá ajudar a explicar os elevados índices de
abstenção registados nas eleições autárquicas.